sexta-feira, 27 de abril de 2012

Quintas do Seixal (1): Quinta da Boa Hora


(Entrada da Quinta da Boa Hora numa fotografia de Arrentela em 1886) (*)

A Quinta da Boa Hora era uma antiga propriedade agrícola, situada na Arrentela, que pertenceu na segunda metade do século XVII ao Padre João Monteiro, Clérigo do Hábito de São Pedro, e originário de uma família desta freguesia, os Monteiros.

A sua designação provinha da Capela da Quinta, hoje desaparecida como a maior parte dos antigos edifícios, e que este Padre terá mandado edificar em 1668.
Tratava-se da Ermida de Nossa Senhora da Boa Hora, que teve Licença para nela se dizer missa dada por Provisão do Cabido da Sé de Lisboa em 26 de Junho de 1668 e para qual o fundador se obrigou a dar 4$000 réis todos os anos, vinculados aos rendimentos da sua quinta por uma Escritura pública feita em 20 de Junho de 1668, nas notas do Tabelião lisboeta Pedro Andrade Maciel.

O Padre Jorge Monteiro faleceu em 15 de Junho de 1696 sendo sepultada na sua ermida (direito que lhe estava reservado como fundador e padroeiro da mesma), tendo ainda obrigado as suas propriedades a uma Capela, ou seja a um Vínculo com a Obrigação de missas pela sua alma, cuja administração ficou ao encargo dos seus sucessores, conforme nos relatam as visitações e memórias paroquiais de Arrentela do século XVIII e que também nos descrevem a Ermida e o culto que existia à sua volta:
(1724)
«é administrada por Theresa de Jesus, solteira e moradora em Lisboa, tem falta de paramentos».

(1736)
«Há dentro deste Lugar da Arrentella, em huma quinta, huma Ermida dedicada a Nossa Senhora da Boa Hora: he pequena, e de abobeda, pintada pelo tecto de brutescos, e as paredes bem cobertas de azulejos de figuras, com sua tribuna de talha ainda por dourar: a Imagem da Senhora he de vulto, e está collocada em seu nicho no meyo da tribuna: he Padroeira della a senhoria da quinta chamada Teresa de Jesus, moradora em Lisboa».
(1758)
«Dentro no lugar da Arrentela há uma só Ermida da invocação de Nossa Senhora da Boa-Hora anexa a uma quinta que é Capela de uma geração chamada dos Monteiros aonde concorre muita gente em todo ano principalmente mulheres pejadas».
(Imagem de Nossa Senhora da Boa Hora da antiga Capela da Quinta da Boa Hora na Arrentela) (**)

Pela sua proximidade à sede da freguesia e ainda pelos menores estragos sofridos no terramoto de 1755, serviu a Ermida da Boa Hora de sede provisória da Freguesia de Nossa Senhora da Consolação enquanto se procediam às obras de reedificação da Igreja Matriz, conforme se regista nos Livros da Paróquia em 24 de Novembro desse mesmo ano e ainda na visitação de 25 de Junho de 1757 em que o visitador constata que: «O Santíssimo está na Ermida de Nossa Senhora da Boa Hora».

Por falta de rendimentos este vínculo de Capela foi extinto por Provisão de D. José dada em 12 de Novembro de 1771 a pedido de Pedro Correia Pires e sua irmã, administradores do mesmo.

(Casas antigas edificadas na Quinta da Boa Hora)

Em 1827 a Quinta da Boa Hora pertencia a João António Porch e tinha um rendimento anual calculado em 100$400 réis.

Em 1845 era seu proprietário o Ministro da Marinha – Jerónimo José Falcão, o qual procedeu à reedificação ou reparação da Capela, que em 6 de Outubro de 1845 é visitada e de novo benzida pelo Pároco de Arrentela – o Prior Francisco José Ferreira.

Em 1849 aparece na posse da sua mulher D. Maria Rita Falcão que em Requerimento à Câmara do Seixal, datado de 30 de Março desse ano, diz que edificou na sua Quinta da Boa Hora um prédio urbano e melhorou a servidão pública que vai do Largo da Tendeirinha para a Azinhaga da Cruzinha.


A partir da década de 1970 a área da Quinta da Boa Hora foi dando origem a um bairro e urbanização com o mesmo nome.
A maior parte dos edifícios da quinta, incluindo a Capela, foram demolidos já no século XX tendo mesmo desaparecido o subsolo da antiga Capela (onde se encontraria a sepultura do seu fundador) pois na sequência de uma operação urbanística o sítio foi destruído pelas escavações realizadas em Agosto/Setembro de 2004, sendo as terras removidas para local incerto.

RUI M. MENDES
Arrentela, 27 de Abril de 2012

(*) Revisto em 26-05-2013 – Na década de 1970 foi caseiro da Quinta da Boa Hora o Sr. Joaquim Botas e a entrada principal da Quinta (que indevidamente identificamos anteriormente com a da Quinta do Cabral), ficava sensivelmente onde hoje se situa o Centro de Reformados (ver imagem). A Capela da Quinta, já em estado de degradação, foi depois adaptada a oficina de serralharia, antes de ser demolida em 2004.
(Informação do Sr. Irlando Tavares, autor do blogue http://arrentelavelha.blogspot.pt/ e co-autor do blogue http://trasdaponte.blogspot.pt/, a quem desde já agradecemos)
(Foto da Coleção Jorge Almeida Lima, publicada em “Representações do Seixal e da Época no Olhar de Jorge de Almeida Lima. Catálogo da Exposição realizada entre 29 de Maio e 30 de Junho de 2010 na Biblioteca Municipal do Seixal)


(**) Revisto em 26-05-2013 – Imagem em madeira policromada da Senhora da Boa-Hora (Séc. XVII), com origem na Capela da Quinta da Boa-Hora – Arrentela, oferta da família proprietária da quinta através do Padre David Pinho, atualmente na Igreja Paroquial de Fernão Ferro, edificada em 1970.
(Cf. http://www.fernaoferro.pt/upload/pdf/patrimonio_historico.pdf)


Fontes:
Rui Mendes, «Património Religioso de Almada e Seixal: Ensaio sobre a sua história no séc. XVIII», Anais de Almada, n.º 11-12 (2008-2009), pp. 67-138.
(1668) AHPL, Ms. 291: Lv. 13 do Registo Geral da Câmara Eclesiástica, f. 233;
(1696) ADS, Arrentela, Óbitos, Lv. 5, f. 42;
(1724) ACMS, Irmandade do Santíssimo Sacramento de Arrentela, Livro de Visitações de Arrentela;
(1755) ADS, Arrentela, Casamento, Lv.3, f.31;
(1757) TT, Confrarias, Irmandades e Mordomias –  Livro de Visitações de Arrentela (MIII N.º 2);
(1771) TT-CHR, D. José – Extinção de Capelas, Liv. 10, fól. 63v
(1827) TT, Impostos, Lv. 318: Lançamento de Décimas de 1827, f. 35
(1845) AHPL, SR.13.05: Correspondência da Vigararia de Almada;
(1849) ACMS, C/A/04/Cx 001
(2004) Carta do Património do Seixal, CPS.00076.

AHPL – Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
ADS – Arquivo Distrital de Setúbal
ACMS – Arquivo da Câmara Municipal do Seixal
TT – Torre do Tombo

CHR – Chancelaria Régia